Foram apresentadas as
fragilidades iniciais dos projetos interventivos desenvolvidos em escolas da
rede pública do Distrito Federal. É natural que isso tenha ocorrido porque eles
constituíam uma novidade para os professores e ainda constituem para aqueles que
vão passando a integrar o corpo docente do BIA. Se avaliar é difícil, mais
complicado tem sido praticar a avaliação formativa e a ela associar esse tipo
de projeto. Com o passar do tempo, alguns avanços foram notados: os projetos já
parecem ser elaborados pelos professores, estão mais objetivos e claros,
apresentam os nomes dos estudantes que serão atendidos e suas necessidades,
assim como os nomes dos professores que atuarão. Contudo, tais projetos ainda
não revelam a dinâmica que deles se espera. Tem-se a impressão de que cada
projeto é elaborado uma única vez, para todo o ano, e que acompanha apenas um
grupo de estudantes durante um bimestre, um semestre ou um ano. Definjr os
objetivos ainda é uma dificuldade: de modo geral, eles se apresentam de maneira
padronizada. Parecem dirigir-se a todos os estudantes. Um dos projetos inclui
15 objetivos, entre eles: “conhecer os usos da escrita na cultura escolar”;
“construir significados a partir do código escrito e seu contexto”. Não se
explicita a quais estudantes eles se dirigem.
Nos projetos atuais, o item
avaliação, que anteriormente aparecia em poucos, agora marca presença, mas
ainda não dá informação clara sobre todo o processo. Em um projeto interventivo
de 2008, em um texto de uma página em que se tecem comentários gerais sobre a
avaliação, lê-se o seguinte:
nesta
unidade de ensino, a avaliação acontecerá de forma sistemática, diagnóstica,
processual, contínua, levando em conta todo o processo de forma cooperativa,
integrada, coletiva, envolvendo a participação de toda a comunidade escolar de
modo que constantemente possamos tomar decisões, incluindo novas ideias
referentes ao processo de ensino e aprendizagem.
Para
tanto serão levados em consideração aspectos como observações diárias,
atividades individuais, coletivas, orais e escritas, relatórios individuais,
avaliação diagnóstica e pelo acompanhamento diário no cotidiano escolar. Ainda
como forma de acompanhar a evolução individual do aluno acontecerão os
Conselhos de Classe bimestrais, para análise dos objetivos e solução de eventuais
dificuldades.
Observa-se nesses trechos que a
avaliação ainda não é voltada para cada estudante. A sistemática apresentada
pode referir-se a qualquer projeto, o que confirma a percepção, já apresentada,
de uma supervisora “Ainda não vejo o aluno no BIA”. Ainda não se consegue
personalizar o projeto interventivo. Os objetivos, as atividades e a avaliação
são os componentes que cumprem esse papel.
Um projeto de 2009 inclui de
forma bem lacônica o item avaliação:
A avaliação será processual,
sendo que as estratégias e atividades interventivas serão avaliadas nas
coordenações. O comprometimento do professor e da equipe que participa deste
projeto será avaliado no decorrer do processo. A avaliação do aluno será
bimestral sendo que a estratégia utilizada será o teste da psicogênese.
Tomou-se lugar comum dizer que a
avaliação será “processual”. O que se entende por isso? Parece que todas as
decisões avaliativas ficarão para depois. Afirmar que a avaliação do estudante
será bimestral indica incompreensão do seu papel, principalmente no projeto
interventivo. Ele existe em consequência de um processo avaliativo diário,
contínuo, realizado por meio de procedimentos formais e informais. O que
caracteriza esse projeto é justamente o fato de ele possibilitar o conhecimento
das necessidades de cada criança e de buscar formas de satisfazê-las o mais
rapidamente possível. Portanto, a avaliação não é feita bimestralmente. A
afirmação segundo a qual a avaliação do estudante será bimestral corresponde ao
entendimento de que somente se considera o desempenho demonstrado ao final de
um determinado período. A análise de como estava no início das atividades e do
caminho por ele percorrido parece não ser importante. Levar em conta as
diferenças, sem penalizar aqueles que necessitam de tempo maior para aprender,
e o uso de estratégias pedagógicas diferentes é função do projeto interventivo.
Outro projeto de 2009 assim se
refere ao que denomina “avaliação da aprendizagem”:
Considerando
a avaliação como o eixo do trabalho pedagógico, e objetivando conhecer cada um
dos alunos, foi traçado o perfil de entrada dessas crianças para identificar os
conhecimentos que trazem consigo, ou seja, os conceitos e as hipóteses que têm
acerca da leitura e da escrita, para que as ações planejadas permitam intervir
e oportunizar o avanço no processo de aprendizagem. Cada aluno possui o seu
portfólio onde consta o relatório do ano anterior do aluno, o relatório
referente ao 1 bimestre de 2009, fichas de acompanhamento individual e fichas
de registros dos professores, onde estes poderão anotar informações relevantes
detectadas durante a aula. Tais registros servirão, posteriormente, como base
para avaliar não somente o desenvolvimento do aluno bem como a eficácia das
atividades propostas. Outrossim, possuem o caráter de comunicação entre os
docentes sobre os alunos atendidos pelo projeto. Tais intervenções visam à
mudança de estratégia o mais rapidamente possível para que não haja perda para
o aluno. Será criado também um teste psicogenético contendo 10 palavras, uma
frase e um texto, relacionado ao tema do projeto, obviamente, visando localizar
de forma precisa a evolução dos alunos após os dois meses do projeto,
ressaltando que para cada bimestre haverá um texto diferente para aplicação do
supracitado teste.
A escola que elaborou o projeto
do qual faz parte tal sistemática de avaliação encontrou, por meio do
portfólio, o caminho para o acompanhamento do desempenho de cada estudante. De
modo geral, é mais conhecido o portfólio construído pelo estudante, em que ele
próprio reúne as evidências de suas aprendizagens e inclui reflexões sobre o
seu progresso. Podem-se criar, porém, versões diferentes para esse procedimento
avaliativo. Aqui se sugere a construção do portfólio do projeto interventivo
como meio de registro de toda a sua dinâmica. Ele reúne evidências e resultados
do trabalho desenvolvido com cada grupo de estudantes. Enquanto o projeto
interventivo traça as diretrizes do trabalho, o portfólio demonstra o seu
desenvolvimento.
Cabe salientar que o portfólio é
mais conhecido como procedimento de avaliação. No entanto, após tê-lo utilizado
em disciplinas do curso de Pedagogia da Universidade de Brasília e em
disciplinas do programa de pós- graduação em Educação, da mesma instituição,
considero mais apropriado usar a expressão “trabalho com o portfólio”,’ para
indicar que a avaliação não acontece em momentos isolados do trabalho
pedagógico: ela o inicia, permeia todo o processo e o conclui. Basta examinar
os princípios nos quais o portfólio se apoia para perceber que ele orienta o
desenrolar das atividades. Quando bem trabalhado, o portfólio ocupa lugar de
destaque no processo. Conclui-se, então, que avaliação e aprendizagem se imbricam
e confundem (Villas Boas 2004, p. 177).
Anastasiou e Alves (2003, p. 81)
incluem o portfólio entre as estratégias de trabalho docente. Descrevem-no como
a “identificação e a construção de registro, análise, seleção e reflexão das
produções mais significativas ou identificação dos maiores
desafios/dificuldades em relação ao objeto de estudo, assim como das formas
encontradas para superação”.
Na presente situação, o portfólio
tem como foco o projeto interventivo. A proposta aqui apresentada constitui um desafio
para aqueles que atuam nesse projeto, porque terão a oportunidade de pôr em
prática os princípios associados ao portfólio, que serão analisados mais
adiante.
O portfólio do projeto
interventivo poderá incluir como documento inicial o próprio projeto, elaborado
segundo os passos já sugeridos. A partir daí a criatividade dos seus
organizadores indicará o rumo a ser seguido. Importante ter em mente o seu
propósito: apresentar todas as ações do projeto interventivo, em todas as suas
fases, acompanhadas de análise e avaliação. Isso significa que ele representa o
projeto em ação. Enquanto o projeto é desenvolvido, o portfólio é construído.
Também nele se inserem os nomes de todos os sujeitos envolvidos (os estudantes
e os educadores que nele atuam) e os resultados obtidos. Entretanto, ele pode
incluir mais do que isso: reflexões, análises, depoimentos, exemplares das
atividades realizadas, fotos etc.
O portfólio do projeto
interventivo inclui evidências do progresso dos estudantes acompanhadas de
análises e reflexões feitas pelos professores. Quando utilizo o portfólio com
meus estudantes, adoto a prática de eles apresentarem no portfólio as primeiras
versões das suas atividades e a última, para que cada um deles e eu possamos
acompanhar o seu progresso. Alguns deles costumam resistir a isso por
entenderem que a presença das suas atividades iniciais em formato ainda frágil
poderá “diminuir” sua nota. Esse é um momento importante para que possamos
desmistificar o propósito da avaliação. Assim trabalhando e avaliando,
reconstruímos a concepção de avaliação, que deixa de ser classificatória e
passa a ser formativa. Da mesma forma, pode-se trabalhar com o portfólio do
projeto interventivo, incluindo as produções das crianças que demonstram seu
avanço. Essa é a avaliação formativa em ação. É recomendável que elas
participem da construção desse portfólio para terem a oportunidade de fazer uma
autoavaliação.
Muitas são as vantagens desse
portfólio. Algumas delas:
·
permite a visualização de todo o processo
desenvolvido. Muitas vezes atividades preciosas são postas em prática, mas, por
não serem registradas, acabam caindo no esquecimento;
·
põe em evidência a autenticidade do trabalho
pedagógico realizado, porque todas as suas etapas são expostas e analisadas;
·
consiste em uma forma dinâmica de avaliação
porque constata o desenvolvimento do trabalho e as mudanças ocorridas ao longo
do processo;
·
possibilita a integração das atividades
realizadas, porque elas ficam expostas à análise;
·
permite a
integração dos professores, porque o projeto interventivo não tem professor
fixo;
·
favorece a avaliação do projeto em si, porque
toma possível o repensar do trabalho enquanto ele se desenvolve;
·
é apresentado aos pais em reuniões e em outros momentos,
para que eles acompanhem o trabalho escolar;
·
o trabalho dos estudantes e dos educadores é
valorizado porque é posto à mostra;
·
possibilita aos professores que ingressam
durante o ano letivo apropriarem-se das atividades em andamento.
Um portfólio assim concebido
baseia-se nos seguintes princípios: construção, reflexão, criatividade,
autoavaliação, parceria e autonomia.
O princípio básico é o da
construção: é construído pelo próprio grupo de professores que atua no projeto
interventivo, possibilitando-lhe fazer escolhas e tomar decisões. Insiste-se
ser esse um princípio básico por duas razões: o portfólio é formulado pelos
próprios professores do projeto interventivo, enquanto se dá seu
desenvolvimento. Essa construção conjunta reforça o trabalho em equipe, já
mencionado, no qual se respalda a proposta pedagógica do BIA. Trata-se de uma
construção que assume diferentes formas, dependendo das necessidades das
crianças e do contexto escolar. Principalmente no seu início é fundamental o
estudo do referencial teórico sobre avaliação formativa e sobre portfólio.
Muitas atividades educacionais inovadoras costumam fracassar porque aqueles que
vão implantá-las e implementá-las nem sempre são os que concebem a ideia, não
estando preparados para colocá-la em prática. Por isso, o estudo do referencial
teórico deve preceder o início do trabalho e acompanhá-lo.
O começo do trabalho com o
portfólio pode dar a impressão de algo difícil e que sobrecarrega os seus
autores. Por isso, além do estudo do referencial teórico, recomenda-se criar
clima favorável à sua construção. Esse clima é propiciado pela equipe gestora e
pela coordenação pedagógica. O portfólio tem de ser percebido como um aliado do
trabalho e não como um dificultador. Ele jamais pode ser entendido como um
instrumento burocrático da ação docente. Uma coisa é certa: o professor não
deve se sentir solitário nesse tipo de trabalho. O ideal é que toda a escola
invista nesse processo, para que professores, coordenadores pedagógicos,
gestores, pais e estudantes acreditem nele.
A construção do portfólio é feita
por meio da reflexão, outro princípio norteador do trabalho, pois, por meio
dela, decide-se o que incluir e como incluir; ao mesmo tempo, avaliam-se as
atividades executadas. O portfólio do projeto interventivo é o espaço em que se
registram: os nomes dos estudantes que apresentam necessidades de aprendizagem,
as necessidades de cada um, as atividades desenvolvidas, os resultados obtidos,
o tempo em que cada estudante permaneceu no projeto, assim como os aspectos
facilitadores e os dificultadores. Ao lado disso, registram-se as reflexões
sobre o trabalho desenvolvido. Produções significativas dos estudantes, que
demonstrem seus avanços, são bem-vindas, para que eles e os professores possam
analisar o seu progresso. Isso mesmo! Tudo o que o estudante faz merece ser
valorizado. Um conceito com o qual se trabalha é o do progresso e não com o do
fracasso.
No início do trabalho, cabe ao
coordenador pedagógico ou a um educador já experiente no uso do portfólio
orientar a prática da reflexão. De modo geral, os educadores não têm tido muito
tempo para isso: costumam cumprir as prescrições do sistema de ensino e da
escola sem estabelecer articulação entre elas. Discussões no grupo e
socialização de experiências podem ser formas de promover a reflexão. Ter
sempre junto do grupo o portfólio em construção contribui para o
desenvolvimento dessa análise constante.
Os princípios da construção e da
reflexão conduzem ao desenvolvimento da criatividade, outro princípio que se
acrescenta. Os professores escolhem a maneira de organizar o portfólio e buscam
diferentes formas de divulgá-lo. E importante que a equipe gestora valorize as
iniciativas dos professores para que eles busquem novas ideias e não continuem
apegados à repetição e à reprodução, tão comuns na esfera educacional. Quando
construído por estudantes, há a tendência de o portfólio incluir apenas produções
escritas, uma vez que costuma ser realizado assim o trabalho nas escolas. O que
se espera é que sejam apresentadas as evidências do trabalho pedagógico
desenvolvido de maneiras variadas, por outros meios além da linguagem escrita.
Podem fazer parte do portfólio fitas cassete e de vídeo, assim como fotos,
sempre acompanhadas de um texto explicativo.
Os princípios da construção,
reflexão e criatividade abrem caminho para a autoavaliação. Enquanto os
professores que atuam no projeto interventivo trabalham e constroem o
portfólio, permanentemente avaliam os avanços e as necessidades de melhoria. A
autoavaliação, outro princípio, é, então, um componente importante. A
construção, a reflexão e a criatividade conduzem os professores a desenvolverem
a capacidade de avaliar a sua atuação com o objetivo de avançar sempre. O
trabalho com o portfólio é uma excelente oportunidade para isso, já que os seus
autores têm em mãos todas as atividades realizadas e os resultados alcançados,
podendo compará-los com os objetivos estipulados. Por meio da autoavaliação,
cada professor pode reconhecer as potencialidades e as fragilidades da sua
atuação.
Entende-se por autoavaliação o
processo pelo qual se analisam continuamente as atividades desenvolvidas e em
desenvolvimento e se registram as percepções e os sentimentos. No caso do
projeto interventivo, essa análise leva em conta a atuação do professor com o
objetivo de os estudantes alcançarem as aprendizagens. Sua atuação foi
adequada? Beneficiou quais estudantes? Não foi suficientemente adequada a quais
deles? Por quê? Quais são as mudanças necessárias? Quais aspectos facilitaram e
quais dificultaram o desenvolvimento da sua atuação? Para essa autoavaliação,
tomam-se como referência os objetivos estabelecidos. Dessa análise novos objetivos
e novas formas de atuação podem emergir. Um elemento importante nesse processo
é a identificação de futuras ações, para que haja avanço no trabalho.
A autoavaliação tem o sentido
emancipatório de possibilitar aos professores refletirem continuamente sobre a
sua atuação entre os estudantes do projeto interventivo. Professores que fazem
a avaliação de si próprios terão mais facilidade de abrir espaços para esse
mesmo tipo de prática por seus estudantes. A autoavaliação possibilita a
reorganização do trabalho pedagógico de maneira tranquila, segura e sem
constrangimentos porque o próprio professor é quem percebe as necessidades.
Requer, porém, o desenvolvimento da habilidade crítica. O portfólio é um meio
propício para que isso se dê.
O projeto interventivo e o
portfólio a ele associado necessitam da parceria, outro princípio norteador das
atividades. Easley e Mitchell (2003, p. 20) consideram que o portfólio é o
único procedimento de avaliação em que estudantes e professores atuam em
conjunto, quando ele é construído pelos primeiros. Por isso, dizem as autoras,
é uma forma autêntica de avaliação, que permite aos estudantes aprenderem
habilidades que lhes serão úteis por toda a vida. Esse processo lhes
possibilita aprender a tomar decisões sobre sua própria aprendizagem e
estabelecer objetivos para o futuro. A parceria é uma competência a ser
desenvolvida na escola, entre professores, entre estes e estudantes e entre os
próprios estudantes. Talvez grande parte dos professores não saiba trabalhar em
parceria. Portfólios construídos por eles podem ser o primeiro passo para que
futuramente orientem portfólios de seus estudantes. Professores que praticam
essa forma autêntica de avaliação em relação ao projeto interventivo
desenvolvem sua formação continuada. A parceria contribui para imprimir ao
projeto interventivo a dinâmica que ele requer.
A vivência desse processo
desenvolve a autonomia dos professores diante do trabalho, outro princípio
norteador do trabalho com o portfólio. Eles percebem que podem trabalhar de
forma independente e que não precisam ficar sempre atrelados às prescrições do
sistema de ensino. Todos ganham, os educadores e os estudantes, pois as
aprendizagens adquiridas pelos docentes terão repercussão em seu trabalho em
sala de aula.
O portfólio dá vigor e atualidade
ao projeto interventivo. Tudo o que se produz fica à disposição para apreciação
e retomada do trabalho pedagógico.
Referências:
VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Projeto
de in tervenção na escola: mantendo as aprendizagens em dia.Campinas, SP:
Papirus, 2013. 160p.
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